segunda-feira, 23 de março de 2015

Algumas notas sobre religião - 3


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O insano humano

Durante a evolução humana, coloquemos como marco o Homo habilis, existe o claro momento em que criamos a cultura de produzir uma ferramenta, uma primeira, definamos assim, pedra lascada em certa extremidade para tornar-se pontuda, e nada mais realizar se não o lascar ossos para remover-se tutano, altamente nutritivo, e talvez alguma operação sobre carcaça deixada por felinos médios e certos canídeos talvez espantados a arremessos de outras pedras menos nobres.
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www.guiavegano.com.br

Percebamos que ficamos quase dois milhões de anos sabendo apenas fazer essa pedra pontuda. Imaginemos a desgraça que é essa capacidade cerebral quando atentamos que hoje não conseguimos sequer suportar seis meses com o mesmo celular.

De duzentos mil anos atrás até hoje, coisa alguma de significativo variou em nossa capacidade cerebral, geneticamente falando. O que variou tremendamente foi o ambiente cultural em que somos criados, nossa educação e volume de informação entre nossos semelhantes. Noutras palavras, por processo didático que gosto, explico que se você, por mais capaz mentalmente que seja hoje, fosse transportado por uma máquina do tempo na primeiríssima infância para uma família no Oriente Médio, savana africana, China ou Índia, digamos, há 80 mil anos atrás, com exceção que questões de etnia que poderiam lhe levar a ser sacrificado como uma aberração amaldiçoada pelos deuses, e no sentido inverso uma criança destes locais e tempo para nossos dias, não poderiam ser diferenciados em coisa alguma passados alguns anos de educação, tanto você no rústico ambiente deles, quanto o dito selvagem primitivo nas nossas universidades.

Evidentemente, questões de nutrição no desenvolvimento cerebral teriam de ser incluídas nesse discurso, mas é evidente que hoje gênios surgem mesmo nas mais famélicas regiões, assim como limitadíssimos nos mais ricos países.

Nota: A potencialidade de produzirmos indivíduos altamente capacitados, mesmo entre grupos pouco nutridos,relacionada com a plasticidade cerebral (ver nas recomendações de leitura o conceito), é uma característica selecionada que nos foi e é tremendamente vantajosa.

Variações de idiotia, mas compensadas com genialidade, estatisticamente naturais no humano, seriam igualmente indiferenciáveis. Mais uma vez em outras palavras: o inventor entre os Cro-Magnons da agulha de costura provavelmente era tão intelectualmente capaz - excluída a educação e treinamento por exemplo, em matemática, quanto um membro atual da sociedade Mensa.

Mais aí esconde-se um problema, que em ser apresentado é o objetivo de nosso texto.

Provavelmente alguma divindade de nome extremamente primitivo em fonética como algo como “Pin-Tum-Pin-Top” era responsável na savana africana por produzir raios que acendiam fogo que permitia ser “reproduzido”. Talvez tenha existido algum deus - com nome um tanto menos formado por estalidos similares aos dos atuais bosquímanos - que mantinha o ambiente seco o suficiente para que o atrito de varetas produzisse fogo.

Dessas dividades de fenômenos tão triviais, nascem as bem mais capazes, que teriam produzido os seres vivos em sua clara - mesmo ao homem primitivo - complexidade, incluindo o próprio primata pelado que nelas acreditava e ainda acredita.

O primitivismo, por assim dizer “filosófico”, de toda religião está em que tem de colocar os raios oriundos dos deuses na mesma medida necessária para produzir um besouro.

“We can allow satellites, planets, suns, universe, nay whole systems of universe, to be governed by laws, but the smallest insect, we wish to be created at once by special act.” ― Charles Darwin, Notebooks

"Nós podemos permitir que os satélites, planetas, sóis, universo, ou melhor sistemas inteiros do universo, sejam regidos por leis, mas o menor inseto, desejamos que tenha sido criado instantaneamente por ato especial." - Charles Darwin, Livro de Notas


Evidente que a divindade que criou os magníficos e úteis cavalos, embora talvez não tenha criado as moscas, criou e deve proteger as tribos, adiante as etnias e mais adiante ainda, a própria religião dos crentes em tais divindades

Logo, não tardaríamos a lotar não só de dragões, mas de ódio qualquer presenteado Éden, e no mundo bem distante de qualquer conceito de paraíso em que vivemos, com o perdão do trocadilho, a lutar por invisíveis dragões.

Uma questão é ‘motora’ da semeadura de ódio do humano, relacionada, sinergizada e propulsionada por um fator biológico, de sua peculiar etologia (seu comportamento como animal - que tem um campo específico até em termos que é a Psicologia): o tamanho de seu cérebro.

Ali, em sua limitação, está o fanatismo, o racismo até mesmo, a origem do que poderíamos hoje tratar como “tribos urbanas” que vão até torcidas de futebol, e evidentemente, religiões, pois “o gomo da laranja que pegamos é claramente melhor que o de outros”, em frase de meu amigo Wesley Conde, como em certas redes sociais alguns amigos designamos o raciocínio que está até por trás de termos forçados como “denominações”.
Esta questão pode ser facilmente entendida quando vemos gráfico do tipo dos dois abaixo, comparando grupos sociais e tamanho do cérebro - ou melhor, parte específica do cérebro - entre os diversos primatas (o problema é tratado em muito mais detalhes e de maneira muito mais eloquente em Os Dragões do Éden, de Carl Sagan):

1


Drake Bennett; The Dunbar Number, From the Guru of Social Networks - www.bloomberg.com

2


Eric Michael Johnson; Social Networks Matter: Friends Increase the Size of Your Brain - blogs.scientificamerican.com

Resumindo, numa “lei” simples: primata com cérebro maior corresponde a grupo social maior.

Parece-me possível lançar a hipótese de que esta célula social máxima correspondente ao cérebro não tornará a causar efeitos mesmo em rivalidades entre cidades, numa estruturação de uma nação (como estados ou províncias, e até regiões) e, finalmente implicar em denominações religiosas mais e mais fragmentadas, que podem iniciar, peguemos um caso local, entre diferenças entre “pastores e seus rebanhos”.

Não temos como fugir dessa célula constitutiva de nossas organizações porque não podemos agregar cérebro, individualmente, e a agregação de cérebros, coletivamente, encontrará um freio no limite do próprio cérebro dos indivíduos.

Claro que compensamos com relações intermediárias, com certas diplomacias e políticas específicas de cada uma de nossas atividades, como percebe-se banalmente numa torcida de futebol agrupada em dezenas de milhar num estádio, em reuniões de fãs de certas coisas, ou mesmo num congresso científico, mas como diria em qualquer conversa de bar: “somente até ali…”.

O filósofo Edgar Morin, ao tratar destas características do humano, desenvolveu o conceito de Homo sapiens sapiens demens, o hominídeo que é sábio e desenvolve cultura - civilização - mas ainda sim, é demente, louco, pois se conduz por absurdos como batalhas urbanas por cores de camiseta num esporte, ou em muito maior escala e escala dessa mesma loucura, matar-se por divergência de palavras ouvidas por profetas de certos invisíveis e inaudíveis dragões.



Lucas 6:39: E dizia-lhes uma parábola: Pode porventura o cego guiar o cego? Não cairão ambos na cova?



Uma observações adicional:

Vejo relações da imagem da “nau dos insensatos”, tratada por Michel Foucault, com a conceituação do demens de Morin, e ainda pretendo fazer uma tratativa alongada do problema, que tem relação com os dilemas do humano com o ambiente e outras formas de vida - muitas vezes, com a propulsão do fenômeno religioso - e com os aspectos econômicos, que encontram outras tantas vezes em dogmas e afirmações religiosas outra propulsão, nos dilemas entre o homem bom - dos marxistas e seu credo econômico-político - e do homem racional - um engano dos liberalistas.


Recomendações

EDGARD DE ASSIS CARVALHO - Edgar Morin, a dialogia de um Sapiens-demens
- PDF: www.uesb.br

Histoire de la folie à l'âge classique - pt.wikipedia.org

Alfredo Sirkis; Ecopolítica, realismo e a nau dos insensatos; Lua Nova vol.3 no.4 São Paulo June 1987. - www.scielo.br

Sobre plasticidade cerebral:

Fernanda Salla; Neurociência: como ela ajuda a entender a aprendizagem - revistaescola.abril.com.br

Andréa Bogatti Guimarães Tomazela ; A plasticidade cerebral: conceitos e generalidades - www.portaleducacao.com.br
Ben Thomas; Plasticidade Cerebral - www2.uol.com.br - SciAm


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