sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Algumas notas sobre religião - 1


“Quando o primeiro malandro encontrou o primeiro otário surgiu a primeira religião.”
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Façamo-nos uma pergunta:

Um religião ou religiosidade pode curar-nos?

Ou, noutras palavras: A fé cura?

Existem comprovações de relações anatômicas (contatos e trasmissões químicas) entre sistema nervoso e sistema imune. Hoje, existe até um campo a tal relacionado, a Psiconeuroimunologia, mas essa não será, especificamente, nossa discussão.[Nota 1]

Nossa pergunta deve concentrar-se primeiramente em: “havendo fé”, pode haver a ação de um ente (deus, óbvio), ou agentes desse ente (p.ex., como os santos, os anjos), e poderíamos fazer variações e composições para “deuses”, ou modificações nos comportamentos da natureza que propiciem a cura, seja no simples modificar-se de caminhos naturais já bem definidos (os benefícios propiciados pelo que é afirmado como “providência divina”) ou repentinos comportamentos anômalos no natural, de certa instantaneidade (os milagres, sejamos claros)?

Incluamos, aí, evidentemente, modificações fisiológicas, digamos, no indivíduo que tem fé, que o leve à cura, mas orientadas, propulsionadas, por esses entes sobrenaturais.
Percebamos que a fé providente não está atrelada inquebrantavelmente às religiões e religiosidades, e que poderia também ser a fé na providência pela ação de fadas ou gnomos, e acredito aqui não estar fazendo uma ridicularização simplória, pois as fés do mundo incluem até santos que quando invocados encontram chaves perdidas, e incluíram no passado deuses domésticos que resolviam até pequenas questões do dia-a-dia, de onde os atuais santos de pequenos milagres derivam.
A resposta ateísta, e mais que ateísta, cética para todos estes sub-questionamentos seria não, um direto e cristalino não, mas considerando-me no mínimo filosoficamente honesto, jamais o afirmaria com absoluta segurança. Mas exatamente como agnóstico que defino como “forte”, afirmaria que não deve-se contar com tais crenças, e numa confiabilidade altíssima nesse “não contar-se”.

Mas como iniciamos este texto, sabemos que a mudança no “estado de espírito”, a motivação, uma certa “alegria”, propicia mecanismos de cura - ou melhor ainda, de enfrentamento potencial de uma moléstia. No caminho contrário, parece-me óbvio que tristeza e depressão pioram qualquer caso infeccioso, só para termos um contra-exemplo trivial.

"Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem." (Hebreus 11:1)

A questão agora seria de que a fé seria um mecanismo maior - e melhor - a ser usado para se alcançar tal intento.

Novamente, vemos que as afirmações religiosas não são propriamente o que se poderia definir como algo confiável, pois tanto que tem-se de ter o que seja fé. Repousa a fé na suposição do existir este algo que foi acima listado como “ato”.

Não conseguimos sair da conjectura filosófica, do terreno das possibilidades. Alerto que a fé na remoção por uma intervenção sobrenatural de uma pedra sobre seu corpo é imensamente menos eficiente que fazer-se esforços para removê-la. Noutras palavras, o ato real, físico, tem sempre mais possibilidade de sucesso que a esperança no transcendente ao natural.

A fé serve de consolo, manifestada na esperança providente, por exemplo, mas parece-me que por estar envolvida no máximo com possibilidades, também pode gerar a decepção, e os efeitos que estamos alegando que ela possa possuir, transformam-se exatamente em seu inverso. Mas a fé tem um substituto claro: a Filosofia, que até permite a fé como saída comportamental, pois liberdade  - embora claramente não racional, pois evidentemente, apenas fé.

A Filosofia consola, já o mostrava os clássicos e posteriormente, destacadamente Boécio.[Nota 2] Propicia o entendimento do mundo, incluindo suas abundantes mazelas, sua aceitação, a aceitação da tragédia, o aceitar o findar seja do que for, como da riqueza, da saúde, do vigor e por fim, inexoravelmente, da própria vida.

Então podemos concluir que o bem-estar “espiritual” não necessita ser aquele único pensado no humano.

Acrescentemos que a fé demanda tempo, e como esse me parece inexorável na vida, os atos de fé, os rituais, a própria estagnação do pensar que essa produz - pois a fé parece-me ensinar apenas a própria fé e seus ritos, jamais outra coisa de verdadeira utilidade na vida humana -sendo nisso completamente oposta à Filosofia, cuja História mostra que levou inclusive ao entendimento do mundo na Ciência - filha da “Filosofia Natural”, e o tratar do humano em si mesmo, a Psicologia, no seu conjunto, a Sociologia, nas relações dos grupos e interesses, a Política, e na sua geração e distribuição de riqueza, Economia. A fé tem sido mãe de muitas das brutalidades do mundo, mas a Filosofia, embora muitas vezes distorcida, é mãe certa de muitas das maiores conquistas dos homens.

Se pudesse fazer uma imagem simples, a fé é a erosão dos espíritos, muito mais que sua construção, e a Filosofia o alicerce dos mais fortes.




Citemos:

O sistema imunológico e sistema nervoso
Há evidências de que o sistema imunológico e o sistema nervoso estão ligadas de várias maneiras. Uma ligação bem conhecida envolve as glândulas supra-renais. Em resposta a mensagens de estresse do cérebro, as glândulas supra-renais liberam hormônios no sangue. Além de ajudar uma pessoa a responder a emergências, mobilizando as reservas de energia do corpo, estes "hormônios do estresse" podem sufocar os efeitos protetores de anticorpos e linfócitos.

Outra ligação entre o sistema imunológico e o sistema nervoso é que os hormônios e outras substâncias que transmitem mensagens entre células nervosas também "falam" para as células do sistema imunológico. De fato, algumas células imunes são capazes de fabricar produtos típicos das células nervosas, e algumas linfocinas podem transmitir informações para o sistema nervoso. Além disso, o cérebro pode enviar mensagens diretamente para as células nervosas do sistema imunológico. As redes de fibras nervosas têm sido utilizadas para ligar os órgãos linfóides.

Immune System - www.niaid.nih.gov

Ou:
Dr. G. F. Solomon; Psychoneuroimmunology: Interactions between central nervous system and immune system; Journal of Neuroscience Research, Volume 18, Issue 1, pages 1–9, 1987. -

Resumo

Psiconeuroimunologia, um campo em rápido desenvolvimento, relaciona-se com as interações complexas bidirecionais entre o sistema nervoso central e o sistema imunitário. Influências neuroendócrinas modulam a função imune, e a informação de retorno do sistema imunitário para o cérebro. Interação do SNC (sistema nervoso central) imunitário parece desempenhar um papel na influência sobre resistência à doenças mediadas imunologicamente e psicossociais. Com a crescente evidência agora na mão, mais de 30 "postulados" pode ser propostos para a implicação específico de interação SNC-imune.

A comunicação em duas direções ocorre entre o sistema nervoso entérico e o sistema imunitário do trato gastrointestinal, isto é, transmissores libertados pelos terminais de neurônios entéricos nas células imuno-relacionados influência da mucosa, tais como mastócitos, e as células da mucosa libertar substâncias ativas, incluindo citocinas e a triptase de células mastro, que atuam sobre os neurónios entéricos (de Giorgio et al 2004; Lomax et al 2006). A inter-comunicação que ocorre em distúrbios, tais como a doença de Crohn e colite ulcerativa são complexas, e para além do âmbito desta revisão curta. - www.scholarpedia.org - Enteric nervous system

Mauricio Rosas-Ballina, Kevin J. Tracey; The Neurology of the Immune System: Neural Reflexes Regulate Immunity; Open Archive - DOI: dx.doi.org - j.neuron.2009.09.039 - www.cell.com

Resumo
Avanços paralelos na neurociência e imunologia estabeleceram a base anatômica e celular para interações bidirecionais entre os sistemas nervoso e imunológico. Como outros sistemas fisiológicos, o sistema imunológico e o desenvolvimento de imunidade é modulado por meio de reflexos neurais. Um exemplo prototípico é o reflexo inflamatório, constituído por um braço aferente que detecta a inflamação e um braço eferente, da via anti-inflamatória colinérgica, que inibe as respostas imunitárias inatas. Este mecanismo é dependente da subunidade α7 do receptor de acetilcolina nicotínico, que inibe o NF-kB, suprime a translocação nuclear e libertação de citocina por monócitos e macrófagos. Aqui vamos resumir evidências mostrando que a imunidade inata é reflexiva. Os avanços futuros virão da aplicação de uma abordagem integrativa fisiologia que utiliza métodos adaptados de neurociência e imunologia.


Mais leitura recomendada:

R. Ader, N. Cohen, D. Felten; Psychoneuroimmunology: interactions between the nervous system and the immune system; The Lancet, Volume 345, Issue 8942, Pages 99 - 103, 14 January 1995. - www.sciencedirect.com


The Immune System and the Nervous System - thyroid.about.com


Glaucie Jussilane Alves, João Palermo-Neto; Neuroimunomodulação: sobre o diálogo entre os
sistemas nervoso e imune; Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(4):363-9. - www.scielo.br

GINA KOLATA; NERVE CELLS TIED TO IMMUNE SYSTEM; Published: May 13, 1993 -

Andrea Marques-Deak and Esther Sternberg; Psiconeuroimunologia – A relação entre o sistema nervoso central e o sistema imunológico; Rev. Bras. Psiquiatr. vol.26 no.3 São Paulo Sept. 2004 - www.scielo.br

E. Weihe, D. Nohr, S. Michel, S. Müller, H. J. Zentel, T. Fink, and J. Krekel; Molecular anatomy of the neuro-immune connection; International Journal of Neuroscience, 1991, Vol. 59, No. 1-3 , Pages 1-23 - informahealthcare.com

David B. Beaton; Effects of Stress and Psychological Disorders on the Immune System - www.personalityresearch.org

Method for modulating the enteric nervous system to treat a disorder - WO 2013082587 A1 - www.google.com - Patents
Wouter J. de Jonge; Review Article - The Gut’s Little Brain in Control of Intestinal Immunity; ISRN Gastroenterology, Volume 2013 (2013), Article ID 630159, 17 pages - dx.doi.org - 10.1155/2013/630159 - www.hindawi.com

Kenney MJ, Ganta CK.; Autonomic nervous system and immune system interactions.; Compr Physiol. 2014 Jul;4(3):1177-200. doi: 10.1002/cphy.c130051. - www.ncbi.nlm.nih.gov

2. Sobre o papel da Filosofia no que seja “consolar”:

O clássico:

A Consolação da Filosofia - Boécio - pt.wikipedia.org

O recente:
Alain de Botton; As consolações da filosofia - books.google.com.br

Resenha:
“As consolações da filosofia' o autor apresenta exemplos de consolação a partir das ideias de seis filósofos - Sócrates, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche -, para a impopularidade, para a insuficiência de dinheiro, frustração, inadequação, coração partido e dificuldades. O seu estilo é bem-humorado, às vezes, confessional, com capítulos curtos e muitas ilustrações.” - www.scholarpedia.org


Anexos

Diria, pitorescos:

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gepazebem.blogspot.com.br

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