Causalidade: Um perigoso dogma em pensar o mundo
Uma questão de uma pessoa interessada:
“Algo pode realmente começar sem uma causa - ou a causalidade é apenas uma construção humana?”
O problema da causalidade
Em Cosmologia, a origem primeira do tudo, e nos fenômenos do microscópico, as implicações da Mecânica Quântica.
Cosmologia e a Causa Primeira
Em Cosmologia, o problema da causalidade se manifesta na questão da origem do universo. Se tudo tem uma causa, o que causou o próprio universo?
O Big Bang: A teoria mais aceita sugere que o universo teve um começo no Big Bang. No entanto, a pergunta "o que havia antes do Big Bang?" ou "o que causou o Big Bang?" nos leva a um limite da nossa compreensão. As leis da física que conhecemos se aplicam após o Big Bang, mas não necessariamente antes ou no momento da singularidade inicial.
A "Primeira Causa": Filósofos e teólogos debatem há séculos sobre a necessidade de uma "primeira causa incausada" (o primum movens aristotélico ou Deus em muitas tradições religiosas) para iniciar a cadeia de eventos causais. Cientificamente, essa questão continua em aberto, com algumas teorias especulando sobre multiversos, universos cíclicos, ou mesmo que o próprio conceito de tempo e causalidade, como o entendemos, surge com o universo.
Mecânica Quântica e a Causalidade no Microcosmo
Na Mecânica Quântica, o problema da causalidade é igualmente profundo, mas de natureza diferente. Aqui, a questão não é sobre uma primeira causa, mas sobre a natureza da causalidade em si no nível fundamental da matéria e energia.
Indeterminismo Intrínseco: A Mecânica Quântica nos diz que, em escalas subatômicas, eventos não são estritamente determinísticos. Não podemos prever com certeza o resultado de certas interações, apenas a probabilidade de diferentes resultados. Por exemplo, a desintegração de um átomo radioativo é um evento intrinsecamente aleatório.
Colapso da Função de Onda: A medição de uma partícula quântica faz com que sua "função de onda" (que descreve todas as suas possíveis propriedades) colapse para um estado definido. O que causa esse colapso e se ele é um processo fundamentalmente não causal ou se há variáveis ocultas que ainda não compreendemos, são debates centrais na interpretação da Mecânica Quântica (como as interpretações de Copenhague, Muitos Mundos, etc.).
Não-localidade e Emaranhamento: Fenômenos como o emaranhamento quântico, onde duas partículas permanecem conectadas independentemente da distância, desafiam nossa intuição causal de que a informação só pode viajar à velocidade da luz. A "ação fantasmagórica à distância" de Einstein questionava se havia uma causa local para tais correlações.
Em ambos os casos, a causalidade, um pilar da nossa compreensão do mundo, é posta à prova. Na cosmologia, enfrentamos o limite do que pode ser causado. Na Mecânica Quântica, questionamos a própria natureza da relação causa-efeito.
Excelente ideia! A teoria do Big Bang é a base da nossa compreensão moderna da cosmologia, mas é frequentemente mal interpretada. Vamos listar alguns dos erros de entendimento mais comuns:
Erros Comuns de Entendimento sobre o Big Bang:
Não foi uma "explosão no espaço": O nome "Big Bang" (Grande Explosão) é bastante enganoso. Ele foi cunhado de forma pejorativa por Fred Hoyle e acabou pegando. Na verdade, o Big Bang não foi uma explosão que aconteceu em um ponto central e espalhou matéria para fora em um espaço preexistente. Em vez disso, foi a expansão do próprio espaço, que surgiu junto com o tempo, a matéria e a energia. Não há um "centro" do Big Bang; aconteceu em todo lugar ao mesmo tempo.
Não descreve o que "havia antes" ou o que "causou" o universo: A teoria do Big Bang descreve a evolução do universo a partir de um estado extremamente quente e denso, cerca de 13,8 bilhões de anos atrás. Ela não se propõe a explicar o que existia antes desse momento (se é que "antes" faz sentido sem tempo) ou qual foi a "causa" inicial. Essas são perguntas que levam a fronteiras da física e da filosofia.
Não significa que o universo se expande para dentro de algo: O universo não está se expandindo para um vazio ou um espaço maior. Ele está se expandindo em si mesmo. É como se o próprio tecido do espaço estivesse esticando. Não existe um "lado de fora" para onde ele esteja indo.
A velocidade de expansão é sempre a mesma: A taxa de expansão do universo não é constante. A "Lei de Hubble" descreve a relação entre a distância de uma galáxia e a velocidade com que ela se afasta de nós, mas essa taxa (a Constante de Hubble) muda ao longo do tempo. Além disso, observações recentes (a partir do final da década de 1990) mostraram que a expansão do universo está na verdade acelerando, impulsionada por um misterioso fenômeno chamado energia escura.
A inflação cósmica viola a velocidade da luz: No período de inflação cósmica, que teria ocorrido frações de segundo após o Big Bang, o universo se expandiu exponencialmente a uma taxa muito maior do que a velocidade da luz. Isso não viola a Teoria da Relatividade de Einstein, pois a Relatividade Restrita (que impõe o limite da velocidade da luz) se aplica a objetos se movendo através do espaço, não à expansão do próprio espaço.
O universo observável é todo o universo: O que chamamos de "universo observável" é a parte do universo de onde a luz teve tempo de chegar até nós desde o Big Bang. Não significa que o universo inteiro se resume a isso. O universo pode ser infinitamente maior do que a porção que podemos observar, e há regiões que estão tão distantes que sua luz nunca nos alcançará devido à expansão.
Não é apenas uma teoria especulativa, sem evidências: A teoria do Big Bang é suportada por uma vasta quantidade de evidências observacionais, incluindo:
A expansão do universo (Lei de Hubble): Galáxias distantes estão se afastando de nós, e quanto mais distantes, mais rápido se afastam.
A Radiação Cósmica de Fundo em Micro-ondas (CMB): É o "eco" ou "pós-brilho" do Big Bang, a radiação remanescente do universo primitivo, muito quente e denso.
A abundância de elementos leves: A teoria prevê corretamente as proporções observadas de hidrogênio, hélio e lítio no universo, que foram formados nos primeiros minutos após o Big Bang.
A formação de estruturas em grande escala: A teoria, combinada com a inflação, explica a distribuição das galáxias e aglomerados de galáxias no universo.
Esses são alguns dos equívocos mais comuns. O Big Bang é uma teoria robusta, mas complexa, e sua compreensão requer ir além do nome e da intuição cotidiana.
Recomendação de Leitura: Desvendando o Big Bang
Se você se interessou pelos equívocos comuns sobre a teoria do Big Bang e quer aprofundar seu entendimento, uma excelente leitura é o artigo:
"Misconceptions about the Big Bang" (Equívocos sobre o Big Bang)
https://www.scientificamerican.com/article/misconceptions-about-the-2005-03/
https://www.mso.anu.edu.au/~charley/papers/LineweaverDavisSciAm.pdf
Autores: Charles H. Lineweaver e Tamara M. Davis
Publicado em: Scientific American
Data de Publicação: 1º de março de 2005
Tempo de Leitura Estimado: 14 minutos
Por que ler? Este artigo é uma referência fundamental para qualquer pessoa que se sinta "perplexa com a expansão do universo", como os próprios autores indicam. Lineweaver e Davis, ambos cosmólogos, abordam e desmistificam de forma clara e acessível os conceitos mais frequentemente mal interpretados da teoria do Big Bang. Eles mostram como até mesmo alguns astrônomos podem cometer erros na compreensão de pontos cruciais. É uma leitura indispensável para corrigir ideias pré-concebidas e obter uma visão mais precisa sobre como o universo começou e evoluiu.
Nos nossos arquivos: [ Lineweaver - Misconceptions about the Big Bang ]
https://drive.google.com/file/d/1HmuhwakJZCnSwURyy-ov2Lwk5RVDMs-M/view?usp=sharing
Aprofundando a “Causa Primeira”
A Perspectiva Filosófica e Teológica: A Necessidade de uma Causa Incriada
Historicamente, a ideia de uma "Primeira Causa" surge da observação de que tudo no universo parece ter uma causa. Se A causa B, e B causa C, e assim por diante, seria ilógico supor uma regressão infinita de causas, pois isso nunca explicaria a existência da série em primeiro lugar. Para evitar o regresso infinito, postula-se a necessidade de uma causa que não seja ela mesma causada, ou seja, uma causa incausada.
Aristóteles e o Primum Movens Immobile (Primeiro Motor Imóvel): Aristóteles, na Grécia Antiga, argumentou que toda mudança ou movimento no universo deve ter uma causa. Para ele, essa cadeia de causas e efeitos não poderia ser infinita no passado. Assim, ele propôs a existência de um "Primeiro Motor Imóvel" – uma causa que move sem ser movida por nada mais. Este Motor é pura atualidade, perfeição, e a causa final (atração) para o movimento de todas as coisas. Não é um "deus" no sentido pessoal e criador, mas uma necessidade lógica para o movimento contínuo do cosmos.
Tomás de Aquino e os "Caminhos" para a Existência de Deus: Séculos depois, o teólogo e filósofo medieval Tomás de Aquino elaborou cinco "Caminhos" (ou argumentos) para a existência de Deus em sua Summa Theologiae. Os três primeiros caminhos são argumentos cosmológicos que se baseiam na causalidade:
O Argumento do Movimento: Tudo o que se move é movido por algo; a regressão não pode ser infinita; logo, deve haver um Primeiro Motor Imóvel (Deus).
O Argumento da Causa Eficiente: Tudo tem uma causa eficiente; não pode haver uma regressão infinita de causas eficientes; logo, deve haver uma Primeira Causa Eficiente incausada (Deus).
O Argumento da Contingência: As coisas existem contingentemente (poderiam não ter existido); se tudo fosse contingente, em algum momento nada existiria; mas as coisas existem; logo, deve haver um Ser Necessário (Deus) que causa a existência de tudo o mais.
Nessas tradições, a Primeira Causa é frequentemente identificada com Deus, visto como um ser transcendente, atemporal e onipotente, que criou o universo ex nihilo (do nada).
A Perspectiva Científica: Expandindo os Limites da Causalidade
A ciência, por sua natureza, busca explicar o universo em termos de leis e processos físicos observáveis. A questão da "Primeira Causa" apresenta um desafio único, pois as leis da física que conhecemos parecem se quebrar ou se tornar inaplicáveis no próprio "começo" do universo, tal como descrito pelo Big Bang.
O Big Bang como Limite do Conhecimento Atual: A teoria do Big Bang descreve a evolução do universo a partir de um estado extremamente quente e denso. No entanto, ela não explica o que causou o Big Bang ou o que havia "antes". A singularidade do Big Bang representa uma fronteira onde as leis da física conhecemos (como a Relatividade Geral) deixam de fazer sentido. É como tentar descrever o "norte do Polo Norte".
A Necessidade de uma Teoria da Gravidade Quântica: Para ir além da singularidade do Big Bang, os físicos acreditam que precisamos de uma teoria que unifique a Relatividade Geral (que descreve a gravidade em grandes escalas) e a Mecânica Quântica (que descreve a matéria e a energia em pequenas escalas). Teorias como a Teoria das Cordas ou a Gravidade Quântica em Laços buscam fornecer uma descrição mais completa do universo em seus primeiros momentos.
Teorias que Abordam a Origem sem uma "Primeira Causa Externa":
A Proposta Sem Fronteiras (Hartle-Hawking): Desenvolvida por Stephen Hawking e James Hartle, essa proposta sugere que o universo não teve um "começo" bem definido no sentido tradicional de tempo. Assim como a superfície da Terra não tem um "borda", o espaço-tempo, na sua origem, se comportaria de uma maneira tal que o tempo se assemelharia ao espaço. Isso eliminaria a necessidade de uma singularidade inicial e, consequentemente, a pergunta sobre o que veio "antes" ou o que a "causou", pois não haveria um "antes" causal no sentido usual. O universo simplesmente "existiria" ou "começaria a existir" sem uma causa externa.
Modelos de Multiverso: Muitos modelos inflacionários (que descrevem uma fase de expansão extremamente rápida no início do universo) levam à ideia de um multiverso. Nesses cenários, nosso universo seria apenas uma "bolha" ou "bolsão" dentro de um universo maior, que está em eterna inflação, gerando constantemente novos universos. A questão da "Primeira Causa" é então empurrada para o multiverso em si, mas alguns modelos especulam que o multiverso pode não ter tido um começo.
Universos Cíclicos/Ekpyróticos: Algumas teorias (como a Teoria da Brana ou Modelos Ekpyróticos) propõem que o Big Bang não foi o início absoluto, mas sim um evento em um ciclo contínuo. Nosso universo pode ser o resultado da colisão de "branas" (membranas multidimensionais) em um espaço de dimensões superiores, levando a um "Big Bang". Após expansão e contração, novas colisões poderiam gerar novos universos. Isso evita um único começo para o nosso universo, mas a questão da origem do ciclo ou do espaço-tempo em que as branas existem ainda permanece.
Causalidade e Tempo Emergentes: Uma ideia ainda mais radical é que o próprio tempo e a causalidade não são propriedades fundamentais do universo, mas sim fenômenos emergentes que surgem de um nível mais profundo da realidade. Se a causalidade só emerge com o universo, então perguntar pela sua "causa" antes dela emergir seria uma questão mal formulada.
Conclusão: A Intersecção entre Fé, Razão e Descoberta
A questão da "Primeira Causa" continua a ser um campo fértil para o debate e a pesquisa. Enquanto a filosofia e a teologia oferecem estruturas para pensar sobre um ser necessário ou um fundamento último para a existência, a ciência busca expandir nossa compreensão das leis do universo, empurrando os limites do que podemos descrever e explicar sem recorrer a uma intervenção externa.
É importante reconhecer que as abordagens são distintas, mas muitas vezes complementares. A ciência explora o como o universo funciona e de onde ele veio dentro de suas leis, enquanto a filosofia e a teologia podem abordar o porquê de existir algo em vez de nada, ou a natureza última da realidade. A beleza do problema reside precisamente na sua capacidade de desafiar nossa intuição e expandir nossos horizontes de pensamento.
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